Às recentes notícias sobre o apoio do PCP a uma eventual moção de censura do PSD, que entusiasmou Marcelo Rebelo de Sousa, seguiu-se o anúncio por parte de Francisco Louçã de que do BE irá apresentar uma moção de censura.
O Governo e o PS reagiram naturalmente alertando para os custos graves que a instabilidade política faria pagar ao País, designadamente no que se refere à difícil situação económica e financeira.
É natural e legítimo que outros partidos, designadamente, o PCP e o BE que têm programas e agendas políticas muito diferentes do Governo do PS, tenham divergências profundas relativamente às políticas prosseguidas pelo Governo em várias áreas. Têm inúmeros meios de manifestar essas posições e inclusive de procurar modificar as suas políticas. Não é admissível é que recorram à arma final da moção de censura que, a ser aprovada, abriria caminho à queda do Governo.
Como afirmou Manuel Alegre aqui "Não quero acreditar que um partido de esquerda, por muito grandes que sejam as suas divergências, esteja interessado em substituir este governo por um de direita". Manuel Alegre colocou o dedo na ferida. O eleitorado socialista, mesmo aquele que se não reconhece nalgumas políticas do Governo do PS não perdoará a nenhum partido de esquerda que seja "muleta da direita" para abrir caminho a um governo da direita.
Não são, contudo, apenas os socialistas que assim reagem, são militantes e eleitores bloquistas e comunistas, é, em geral, o povo da esquerda. A posição do PCP tem vindo a ser objecto de "clarificações", sendo a imprensa acusada de a ter deturpado, como se pode ver aqui.
A iniciativa da apresentação de uma moção de censura por parte do BE é ainda mais incompreensível e irresponsável. Tenho lido na Internet muitos comentários críticos de eleitores e militantes do BE, como este aqui.
Esta posição do BE produziu já efeitos negativos, descredibilizou o BE como um partido com que o PS possa vir a contar para discutir políticas públicas, para fazer parte de uma esquerda que governe.
É significativo que os socialistas que sempre criticaram qualquer possibilidade de diálogo e colaboração com o BE, vieram não apenas recordar o contributo negativo que o BE está a dar para a evolução dos juros da dívida soberana, mas também a impossibilidade de colaboração entre os dois partidos, como podem ver aqui. Francisco Louçã deu uma mão aos que sempre consideraram que só o PSD é um parceiro possível.
O desemprego, a precariedade, as desigualdades sociais, a legislação laboral, o funcionamento do sistema de justiça, e muitas outras, são questões fundamentais que tem que estar na agenda do debate político à esquerda, mas não podemos fazer de contas que não existe o problema do desequilíbrio orçamental, que podemos pura e simplesmente ignorar o contexto europeu, mesmo quando defendemos a necessidade de ser duro na defesa dos interesses nacionais e dos trabalhadores portugueses, na negociação do novo quadro institucional que está a emergir tendo como ponto de partida e pretexto os problemas que o euro enfrenta.
Também no que se refere aos debates duros que se travam neste momento na União Europeia em torno do euro e da evolução institucional, o anúncio da apresentação da moção pelo BE, é totalmente irresponsável.
A moção do BE só pode vir a ser, como escreveu Daniel Oliveira no Expresso de 12/02/2011 "pueril ou irresponsável". Muitos no BE, e em geral na(s) esquerda(s) se a moção for aprovada não lhe perdoarão que dessa forma tenha aberto o caminho "à direita mais extremista que já esteve na iminência de vencer eleições em Portugal".
Como foi sublinhado por André Freire aqui "O BE é co-responsável por aquilo que chama «a maioria orçamental» / «as políticas de direita»(…)". Em primeiro lugar, temos um sistema político desequilibrado: a direita (PSD vs CDS) é capaz de cooperar; a esquerda (PS vs BE e PCP) não, nunca foi, excepto em questões marginais da luta política.
(…) o sistema partidário nasceu inclinado para a esquerda, mas vive enviesado para a direita"
Não tinha que ser assim, não tem que ser assim.
José Leitão