terça-feira, 1 de novembro de 2011

Duarte Cordeiro avalia Orçamento de Estado 2012


 

O PS tomará a decisão sobre o seu sentido de voto em relação ao Orçamento de Estado durante esta semana, na sua Comissão Política Nacional. Respeitarei qualquer que seja a decisão do meu partido e como deputado cumprirei a disciplina de voto que se impuser nesta votação. Independentemente desse respeito, dessa solidariedade e dessa disciplina entendo que devo tomar partido na avaliação a este Orçamento de Estado.

Não acredito nesta austeridade excessiva e acho que ela vai afundar o país. As estimativas para a recessão económica do próximo ano já passaram de -1,8% do PIB, feitas pelo Governo em Agosto, para -2,2%, feitas pelo Banco de Portugal em Setembro, e depois para -2,8%, feitas outra vez pelo Governo agora no Orçamento de Estado. As duas primeiras previsões não consideravam os cortes nos subsídios de férias e Natal, nem o aumento do IVA na restauração, por isso a previsão inscrita no Orçamento é muito pouco credível. Ou o Orçamento está a considerar receitas fiscais em excesso ou a recessão vai ser muito maior do que está prevista. Se tivermos receitas a mais significa que o Governo cortou salários sem necessidade, se tivermos uma recessão maior que o previsto significa que toda esta austeridade matou a economia e a taxa de desemprego será bem maior do que os 13,4%.

O actual Governo do PSD e do CDS-PP decidiu quebrar o consenso em torno do Memorando de Entendimento com Troika ao afastar o PS da sua revisão e agora do Orçamento de Estado. Com essa decisão mataram o princípio de equilíbrio e representatividade política que estava presente no ajustamento que o país se vê forçado a efectuar. O Memorando resultou do entendimento entre as partes sobre as necessidades financeiras do país, as exigências dos credores e as visões e contributos dos vários partidos. Este Orçamento já não tem nada a ver com o Memorando e representa uma ruptura social contrária ao entendimento obtido. Este Orçamento é da exclusiva responsabilidade do Governo.

O Governo apresenta-nos como único caminho para o crescimento e para a competitividade a desvalorização salarial, através dos cortes nos subsídios e do aumento de mais meia-hora de trabalho por dia. Para trás ficam anos de investimento na Ciência, na Educação e na Formação, em infra-estruturas, que são agora interrompidos por mero preconceito ideológico e quase sempre sem nenhuma avaliação. Veja-se o caso do Distrito de Setúbal que viu serem cancelados ou suspensos todos os projectos infraestruturais que estavam planeados.

Há alternativas a esta austeridade e é fundamental perceber-se que não é inevitável. Deixo-vos apenas algumas ideias:

Poderíamos renegociar os prazos dos objectivos definidos no Memorando, de forma a obter mais um ou dois anos para realizar o ajustamento, por exemplo o défice de 2012 poderia ser obtido em 2013 ou 2014. Não se trata de negociar a dívida porque manteríamos os juros e a maturidade inalterados. Recordo que os membros da Troika assumiram que as condições internacionais deterioraram-se quando decidiram melhorar as nossas condições do empréstimo. Fizeram-no porque entenderam que Portugal fora afectado com a conjuntura internacional, no entanto não alteraram o número de anos que precisamos para realizar o ajustamento. Recordo ainda que a Irlanda tem mais anos que nós para o realizar.

Em vez do aumento do IVA da restauração, de 13% para 23%, poderíamos agravar as taxas dos escalões mínimo e intermédio do IVA. Em vez dos dois cortes nos subsídios de Natal e Férias, dos funcionários públicos e pensionistas, poderíamos criar uma sobretaxa sobre todos os rendimentos de IRS, para compensar um dos subsídios, e procurar pagar o outro com títulos da dívida pública.

Poderíamos igualmente criar um imposto especial sobre os produtores de energia, em especial empresas dominantes no mercado, de forma a redistribuir os seus ganhos com a valorização das matérias-primas nos mercados internacionais, os seus ganhos resultantes das posições dominantes, como é o caso da refinaria da Galp, ou mesmo para reafetar subsídios ou despesas fiscais mal atribuídas pelo Estado, como é o caso da co-geração. Seria um imposto temporário que duraria o tempo do programa de apoio.

Este Orçamento de Estado não é apenas mais um. Não é por acaso que este Governo tem procurado lançar tantas cortinas de fumo. Primeiro com a criminalização dos anteriores Governantes, usando a JSD como instrumento de ataque, e depois com o desvio de 2011, ignorando a Madeira, o BPN e os custos do empréstimo. Fazem-no porque sentem que só estimulando o ódio e criando o vazio é que conseguem que esta agenda passe no nosso país. A forma violenta com que criticaram o Presidente da República é evidente desta estratégia. Sabem que dificilmente conseguirão de outra forma ou mesmo em outro momento.

Interessa por isso perceber qual a posição e o papel que cada Partido quer desempenhar neste contexto.

Entendo que o PS deve assumir como posição inicial estar contra este Orçamento, estas medidas e esta estratégia. Esta é a posição que defenderei.

Entendo que uma posição de abstenção só se justifica se conseguirmos modificar o carácter recessivo do Orçamento. Para isso acho fundamental forçarmos o Governo a rever o seu discurso sobre o desvio de 2011, a alterar o corte previsto nos subsídios e a alterar o aumento da taxa de IVA da restauração.

Sem estas mudanças estaremos numa posição frágil, que não defende o interesse nacional nem defende os interesses dos mais atingidos, e muito difícil de esquecer. Se a recessão piorar e mais medidas forem necessárias ou se deixarem de existir subsídios de Natal e de Férias, após 2013, nunca mais se esquecerão de que lado estávamos quando a decisão foi tomada.

Este Orçamento é um novo Memorando e se o assinarmos teremos ainda mais dificuldades para conseguir mudanças de rumo no futuro."

Autor: Duarte Cordeiro, Deputado na Assembleia da República